Acta Pediátrica Portuguesa; 2004; nº3; vol. 35: 295-300
http://actapediatrica.spp.pt/issue/view/338
Existem várias razões para os clínicos se preocuparem com as emoções, dado que as emoções são essenciais para definir a individualidade das crianças, tendo ainda funções adaptativas que ajudam a definir o significado das experiências.
CONCEITOS COMO AUTONOMIA E INTEGRAÇÃO DO SELF
A autonomia descreve os comportamentos que são iniciados e assumidos voluntariamente por uma pessoa, enquanto os comportamentos não-autónomos são aqueles que não foram iniciados voluntariamente, mas antes compelidos por outrém.
Os resultados do desenvolvimento da autonomia são representados pela integração do self e da auto-determinação. Por sua vez, estes resultados promovem maior desenvolvimento: na medida em que uma pessoa se comporta mais autonomamente, assimila mais profundamente as suas experiências, resultando numa maior elaboração e coerência do self. (pg. 295)
AUTONOMIA E SAÚDE MENTAL
As motivações intrínsecas, tendências naturais para explorar e manipular e a curiosidade estão presentes desde o nascimento (…). Estas tendências são intrinsecamente motivadas, não requerem incentivos ou pressões e ocorrem espontâneamente em ambientes não hostis e têm as suas recompensas em si mesmas, em excitação, interesse e alegria que acompanham estas actividades e não são instrumentalisáveis por consequências separáveis.
(…)
Manter esta motivação intrínseca e a promoção de um desenvolvimento óptimo e bem-estar, depende de condições sociais que promovam e preservem a autonomia, providenciem a escolha e encoragem a iniciativa. Assim a motivação intrínseca e a curiosidade e a alegria inerentes podem ser diminuídas em condições que são controladoras ou inconsistentes, levando a desenvolvimento não-óptimo e psicopatologia. Maior motivação intrínseca tem sido associada a criatividade, processamento da informação e compreensão, melhores saúde mental e auto-estima (…). (pg. 296)
No entanto, o aumento da nossa auto-dependência ao lidar com emoções, não assegura necessariamente uma auto-regulação emocional verdadeira; esta requer a capacidade de usar flexivelmente as experiências interiores, a fim de interagir com o ambiente de maneira adaptada. Alguns autores chamam-lhe resiliência do ego, um balanço entre um super controlo versus um pequeno controlo, essencial para o desenvolvimento da auto-regulação das emoções. (pg. 296-297)
CONTRIBUIÇÃO DE PAIS E PROFESSORES PARA O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA (AUTO-REGULAÇÃO E INTEGRAÇÃO EMOCIONAIS)
Os primeiros agentes de socialização, que são os pais e depois os professores podem achar importante desviar a energia da criança daquilo que a interessa para aquilo que os pais a escola e a sociedade pensam ser os seus melhores interesses. Então pais e professores têm de encorajar as crianças não só a desempenharem actividades não intrisecamente motivadas, mas também ajudá-las a desenvolver uma motivação interna e intencionalidade no seu desempenho.
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A internalização é o meio pelo qual as pessoas integram experiências e processos reguladores nelas implícitos, tornando-se simultaneamente mais autónomos e homónomos.(…) A internalização funciona ao serviço das necessidades pessoais de competência, autonomia e relação e assim podemos prever que os aspectos do contexto social que suportam a autonomia são estruturados adequadamente e providenciam envolvimento pessoal, facilitando assim essas necessidades psicológicas. (pg. 296)
- Existem 3 aspectos de um ambiente óptimo social que facilita que a criança gradualmente seja mais capaz de auto-regular a emoção. Primeiro é o envolvimento dos pais, que ajuda a criança a manter um nível tolerado de stress, evitando ficar submergida pela experiência em causa e possa aprender a gerir as forças internas da emoção. Depois os pais que são promotores da autonomia, ou seja, tendo uma empatia com a criança e permitindo à criança o máximo de quantidade de auto-regulação que ela pode tolerar, ajudando assim a criança a construir a sua confiança nas suas capacidades para ter iniciativas autónomas e manter estratégias reguladora.Isto pode por exemplo significar o apoio a uma criança que está a lutar numa situação de stress, em vez de remover a criança dessa situação; por fim, providenciar estrutura, ou seja, desafios óptimos e adequados à sua capacidade, sendo consistente e marcando limites que devem ser internalizados, permite que a criança confie e tome interesse no ambiente e na sua relação com o ambiente.
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O ambiente social pode ter um impacte na criança a fim de a tornar mais capaz de integrar as experiências emocionais com os outros aspectos do self:
aceitando e amando a criança, os pais que estão envolvidos dão-lhe um sentimento de valor pessoal. A aceitação da criança por pessoas significativas é um percursor para a auto-aceitação, particularmente no que respeita as emoções. (…) - a responsividade do adulto às iniciativas emocionais por parte da criança suporta e reforça o sentido da autonomia, competência e iniciativa;
- ao marcarem limites apropriados para o comportamento, enquanto permitem a expressão adequada de sentimentos, facilitam a sintonia da criança com o mundo social e a sua aceitação do self no processo de adaptação ao ambiente.
As crianças podem então aprender a ser respeitadoras ou assumir uma atitude homónoma, enquanto procuram a gratificação e a expressão.
O desenvolvimento da capacidade de respeitar os outros e do adiamento da recompensa representa um ponto fundamental no percurso desde a adolescência até à adultícia. (pg.297)
Em larga medida, a sensitividade sobrepôe-se ao suporte da autonomia, pois aquilo a que a mãe é sensível é às iniciativas e necessidades da criança e do self. (…) Também são importantes o envolvimento da mãe e a estrutura. Os pais envolvidos dedicam tempo e recursos à criança, sob forma de disponibilidade, esforço, atenção e amor. O prestador de cuidados também contribui para a segurança providenciando estrutura sob a forma de um ambiente óptimo que module a estimulação de acordo com as capacidades e os estádios da criança. Estas contribuições para o bem-estar ajudam a providenciar uma sensação de segurança e conforto, pré-requisitos para relações seguras e para o desenvolvimento das competências. Um ambiente óptimo será assim aquele que providencia recursos e introduz estrutura num contexto de suporte da autonomia.
PERMISSIVIDADE, AUTORITATIVIDADE E AUTORITARISMO
Os pais autoritativos comunicavam abertamente com a criança e encorajavam a independência e individualidade, tendo expectativas e padrões para um comportamento amadurecido. Os autoritários valorizavam a obediência e compliance e faziam tentativas para modelar a criança de acordo com um padrão absoluto. Pais que suportem a autonomia e providenciam estrutura são autoritativos, pais que suportem a autonomia, mas sem estrutura, são permissivos. (segundo Baumrind )
(to be continued…)