Depois de ler este pequeno livro de leitura muito acessível, deu-me vontade de ler O outro, onde Brazelton compila todas as fases de referência no desenvolvimento infantil, dos zero aos três anos de idade. Mais do que apresentar esses “pontos de referência” (touchpoints) de uma forma técnica, são apresentadas as abordagens a ter aos respectivos comportamentos, de acordo com o chamado “Método Brazelton”.
Debrucei-me ainda apenas na questão do choro do bebé, e apresento aqui algumas transcrições que considero importantes e/ou curiosas, depois da leitura do livro. Esta leitura fascinou-me, sobretudo, pela sua simplicidade mas extrema relevância em conteúdo e objectivo. Acredito, tal como o autor, que com o devido conhecimento se poderão antecipar e minimizar determinadas consequências das nossas (inter)acções com o bebé. O livro não tem como objectivo apresentar uma lista de regras para pais e outros educadores, mas sim esclarecer o que está, normalmente, por detrás de determinados comportamentos do bebé, de modo a que possam ser encarados com a maior naturalidade possível.
O choro e o temperamento do bebé
“As características do choro do recém-nascido e a sua capacidade de ser acalmado abrem aos pais duas importantes janelas sobre o futuro da criança – uma janela sobre o seu temperamento e sobre o “trabalho” que os pais terão para o confortarem. Um bebé muito agitado e exigente pode evidenciar um elevado nível de actividade, uma rápida transição para o choro, seguido de um choro convulsivo que poderá ser difícil de acalmar. Um bebé calmo e sensível pode ser mais lento a reagir através do choro e este é como um gemido baixo, mas insistente.(…)” (pg. 25-26)
Novas recompensas
“É claro que atender ao choro é importante. A saudação deliciosa que recebe do bebé é uma recompensa maravilhosa. Não precisa de ficar preocupada com o facto de poder mimar de mais o seu filho, nesta idade, por atender a todos os seus choros. Talvez aconteça exactamente o contrário. Se conseguir dar a um bebé de dois meses aquilo de ele necessita em termos de resposta social ele terá maiores probabilidades de vir a ser um bebé feliz e satisfeito. O bebé retorce-se e remexe-se sempre que a mãe se inclina sobre o berço. Sabe que a mãe está ali. Mais tarde, será capaz de se entreter sozinho, se ela não o puder ajudar.” (pg.39)
O autor descreve que a partir dos 4 meses de idade o bebé deverá ter já alguma rotina e previsibilidade no seu ritmo diário, nomeadamente nos ritmos de sono. Se isso não acontecer deverá ser então ensinado pelos adultos. Se continuar a chorar de noite, poderá ser uma boa oportunidade para ensiná-lo a voltar a adormecer sozinho. Apoiando-o mas não necessariamente pegando nele ao colo ou pondo-o na cama dos pais. Dar-lhe a oportunidade de desenvolver alguma autonomia, desde que isso não crie (demasiada) ansiedade ou stress ao bebé (e aos pais). Às vezes é só uma questão de o acariciar, de lhe dar a chupeta ou de conter os espasmos através do processo de swaddle. Transmitir calma é, por vezes, mais importante do que a acção em si. E para isso os pais precisam de estar calmos e acreditar no que estão a fazer.
Aos 8 meses de idade o medo de estranhos está completamente desenvolvido e atinge aqui o seu auge. Todas as pessoas que não o pai ou a mãe desempenham papel de estranhos. Nesta idade a criança está a desenvolver a capacidade de fazer comparações e de estabelecer diferenças (mesmo as mais subtis como as existentes nas relações entre ela e o pai, avô ou tio). O autor, enquanto pediatra, aprendeu a nunca olhar directamente nos olhos para um bebé desta idade, porque sabe que isso lhe causa ansiedade e medo, desencadeando um choro de pânico. Os pais de filhos desta idade, deverão então confortar o bebé e levá-lo para um ambiente mais familiar e confortável, se necessário, e alertar as outras pessoas (estranhos) para o facto de o bebé estar na fase em que estranha os outros, para evitar que tentem a todo o custo pegar-lhe ao colo ou fazer-lhe gracinhas olhos nos olhos. Isto poderá ser difícil de explicar a um avô ou tio que nunca se deparou com esta situação e não compreende porque, de repente, a criança não sorri ou não quer ir ao seu colo como habitualmente.
A separação e o reencontro
“(…) ao fim do dia, acabam por se ir abaixo e chorar quando os pais os vão buscar (ao infantário). Este tipo de choro também pode resultar da capacidade de o bebé distinguir os pais de outras pessoas ou da saudade que sente deles. (…) Mas os pais que entendem o que está a acontecer ao bebé não se sentem magoados. Pegam no bebé, abraçam-no e dão-lhe mimo. O bebé sentiu a falta deles e quer mostrar-lhes isso. Quando aparecer ao bebé depois de uma ausência, este choro é mais previsível. Entenda-o como uma tentativa de o bebé se reunir a si de forma intensa e apaixonada.” (pg 51)
O choro de uma criança que já sabe andar
“Ela quer muito ser independente mas, ao mesmo tempo, está assustada. Sabe que ainda não está preparada para enfrentar todos os perigos e toda a excitação a que a marcha e as suas novas capacidades a levam. Este é, na realidade, um “ponto de referência”, quando a insegurança da criança ao separar-se dos pais não encontra eco na sua capacidade de andar pela casa sozinha. Isto não vai durar muito tempo e a criança torna-se mais confiante na sua independência. Mas quando tal acontecer, pode ter de encarar o facto de que “perdeu” o seu bebé – e talvez seja a sua vez de chorar.” (pg. 55)
Bebés de baixo peso à nascença
Há um capítulo interessante sobre crianças prematuras ou de baixo peso para a idade, onde são descritos aspectos muito importantes a ter em conta pelos pais. O autor defende, mais uma vez, a importância de informar devida e antecipadamente os pais para determinados aspectos específicos do desenvolvimento e comportamento de um bebé com estas características, de forma a evitar ansiedades e frustrações desnecessárias de parte a parte. O facto de o bebé nascer mais pequeno e, na maior parte das vezes, mais frágil e vulnerável é já por si um factor que causa ansiedade aos pais. Será importante, portanto, acompanhá-los no conhecimento do seu bebé e das suas características particulares e alertá-los para o que são os aspectos normais ou anormais no seu comportamento, e como lidar com isso. Segundo o autor, os bebés que nascem com baixo peso têm maior probabilidade de revelarem uma maior sensibilidade aos estímulos. Sabendo isso e tendo isso em conta, os cuidadores do bebé deverão estar mais atentos ao ambiente em que o bebé está inserido e à sua forma de lidarem com ele. Quando esse bebé demonstra desconforto, não se deverão usar demasiados estímulos de uma só vez, mas sim: ou o toque, ou o embalo ou o olhar nos olhos. Tudo de uma só vez poderá provocar no bebé um desconforto ainda maior, por não conseguir lidar com tantos estímulos ao mesmo tempo. Com o tempo e o amadurecimento do seu sistema nervoso, o bebé aprenderá a a lidar com estas situações. Se pensarmos bem, o que vemos muitas vezes acontecer é, com a melhor das intenções, os pais tentarem a todo o custo acalmar o bebé, distraindo-o, tocando-o, cantando-lhe, embalando-o, tudo ao mesmo tempo…
Esta foi uma das muitas aprendizagens que retirei desta obra e que reforça a minha convicção que pais informados melhor lidarão com o comportamento dos seus filhos e com a sua própria ansiedade!
http://www.presenca.pt/livro/saude-e-familia/puericultura/a-crianca-e-o-choro/