The Child is father of the Man
(William Wordsworth in My heart leaps up when I behold)
O livro começa com esta citação (“A Criança é pai do Homem“). Fico desde logo fascinada com o significado que lhe podemos atribuir. Ilustra a minha convicção de como é importante começarmos desde cedo o (bom) trabalho com a criança, pensando não só na importância do seu óptimo desenvolvimento para a sua vivência presente mas também pelo que um dia se tornará. O Homem um dia foi Criança e grande parte das suas vivências enquanto criança fazem dele o homem que é hoje.
O livro parte da análise da teoria de Descartes como mote para a análise mais profunda daquilo que faz de nós humanos, apoiado em estudos na área da psicologia do desenvolvimento infantil.
- Nascemos já com predisposição para determinados comportamentos, seja por força da genética ou da evolução da espécie?
- Os nossos comportamentos são ditados (apenas) pelas nossas experiências, desde que nascemos (ou mesmo antes, a partir do momento da concepção)?
- A noção do Mal e do Bem “nascem” connosco ou são fruto das nossas vivências sociais e/ou culturais?
Deixo aqui a transcrição de algumas passagens que considerei tanto curiosas como relevantes. É muito difícil escolher as passagens, uma vez que fazem parte de um todo, (muitas vezes necessário para compreender algumas das partes). A minha vontade era traduzir a obra toda! Não sendo possível, ficam alguns apontamentos que poderão revelar-se surpreendentes para muitos, assim como o foram para mim.
NOTA: A tradução do inglês é da minha inteira responsabilidade.
Prefácio
“Sexo com animais mortos é repugnante. Alguém a escorregar na casca de uma banana pode ser hilariante. Matar bebés é errado. Salpicos de tinta numa tela pode ser uma obra de arte. O seu corpo mudará radicalmente à medida que envelhece, mas continuará a ser a mesma pessoa. E quando morrer, a sua alma poderá permanecer viva.
Há pessoas a quem faltam estas noções básicas, tal como psicopatas que cometem actos horríficos sem uma ponta de consciência, ou crianças autistas, que não compreendem que as outras pessoas têm pensamentos e emoções. Mas estes casos invulgares apenas provam a regra que as noções como a moralidade, o humor, a arte e a identidade pessoal são aspectos da condição humana normal.
Como podemos explicar isto? Alguns estudiosos defendem que estas características humanas são adaptações evolutivas que estão gravadas no cérebro dos bebés. Outros vêem-nas como produto da cultura, independentes da biologia e genética, explicadas em termos de um processo histórico e social. Mas penso que uma melhor explicação resulta do trabalho de Charles Darwin. No A Descendência do Homem e A Expressão da Emoção em Homens e Animais, Darwin propõe que muitas capacidades mentais emergiram através de selecção natural- elas surgiram através das vantagens reprodutivas que concederam aos nossos antepassados. Mas ele foi sempre explícito ao afirmar que muitas características unicamente humanas não são adaptações. Elas são o subproduto de adaptações- acidentes biológicos.
Vou explorar aqui a abordagem de Darwin. De modo particular, irei sugerir que os humanos terão evoluído uma determinada forma de pensar acerca de pessoas e objectos. Nós vemos o mundo segundo as linhas propostas por René Descartes, o pai da filosofia moderna.
Descartes estava fascinado com os autómatos do seu tempo, nomeadamente os robots controlados hidraulicamente dos Jardins Reais Franceses que se moviam de forma realista (…). Ele acreditava que os corpos dos humanos e dos animais eram mais do que máquinas particularmente complexas. Mas para as pessoas- ao contrário dos não-humanos, que Descartes descrevia como “máquinas-bestas”- há uma distinção crucial entre a res extensa, a nossa maquinaria psicológica, e a res cogitans, que somos nós próprios, as nossas mentes. Nós usamos os nossos corpos para experienciar o mundo e agir nele, mas nós não somos coisas físicas. Nós somos almas imateriais.”
Imagem < > Objecto Real
“Comeria a imagem de uma maçã?”
“Quando as crianças atingem cerca do ano e meio de idade, elas já não escolhem imagens. Apreciam elas então a sua natureza representativa? Para explorar isto, as psicólogas Susan Carey e Melissa Allen Preissler fizeram um estudo simples mas elegante. Elas usaram imagens para ensinar novas palavras às crianças. Por exemplo, elas pegavam em crianças de 18 meses que nunca tinham visto uma batedeira, mostravam-lhes um desenho de uma batedeira, e usavam repetidamente a palavra “batedeira” para descrever o desenho. Depois davam à criança a escolha entre a mesma imagem que já conheciam e uma batedeira verdadeira e pediam-lhes para lhes mostrarem onde estava “a batedeira”. As crianças escolhiam quase sempre o objecto real. Isto é bastante interessante. Mostra que quando se usa um nome para identificar uma imagem, não se refere à imagem em si; refere-se ao que a imagem representa. Antes da criança atingir os dois anos de idade, eles já sabem o que são representações/imagens.
(pg. 71-72)
Imagem 2D < > representação 3D (maqueta)
“DeLoache e as suas colegas descobriram também que as crianças têm dificuldades em lidar com a “natureza dual” das representações – o facto de serem ambas entidades concretas mas ao mesmo tempo simbólicas abstractas. Por exemplo, crianças de dois anos e meio conseguem usar a imagem de um quarto para descobrirem a localização de um brinquedo escondido. Assim que vêem onde está o brinquedo na imagem do quarto, elas sabem onde encontrá-lo no quarto real. Mas elas demonstram piores resultados quando a localização do brinquedo é mostrada numa maqueta (3D) do quarto. Isto é surpreendente, porque poderia pensar-se que a maqueta, sendo mais realista, seria mais fácil de usar como representação do real. Mas DeLoache defende que a maqueta é tão interessante (é um objecto tridimensional tangível) que as crianças focam-se no objecto em si e distrai-os das suas propriedades representativas. Quando a maqueta é menos interessante, as crianças tornam-se mais capazes de encontrar o brinquedo perdido.”
(pg. 73)
Isto é particularmente relevante quando falamos, por exemplo, no uso de representações tridimensionais de apoio à descrição de casos de violência infantil, por parte de entidades policiais. Muitas vezes são usadas bonecas anatomicamente realistas para que a criança indique em que zona do corpo foi molestada. O autor aponta alguns riscos no uso desta prática como método credível e fiável, por si só.
O Bem e o Mal
“À procura do Sr.Mal”
“No mundo real, os fazedores do mal olham para si como boas pessoas fazendo coisas boas ou boas pessoas forçadas a fazer coisas difíceis devido a circunstâncias especiais, ou, pior, boas pessoas que são forçadas, enganadas ou iludidas para fazerem coisas más, contra os seus bons carácteres.
(…)
Poucos de nós consideram escolher o mal quando temos como alternativa o bem (…). O mal que cometemos é inadvertido, justificado perante alternativas limitadas, ou o resultado de circunstâncias excepcionais. Alguns filósofos e teólogos vão mais longe e defendem que é impossível escolher racionalmente o pecado.
(…)
Os psicopatas são uma excepção na universalidade das boas intenções. (…) Há alguma hereditariedade para praticamente todas as características humanas (altura, inteligência, felicidade, e assim por diante), e sabemos que há uma componente genética na capacidade de uma criança normal se preocupar com a dor ou felicidade nos outros. (…) No mundo real, os filhos de psicopatas sofrem de um duplo golpe: eles partilham uma qualquer propensão que os seus pais têm para a psicopatia, e também têm a má sorte de serem criados por psicopatas, que, como podem imaginar, não são os pais mais atenciosos do mundo.”.
(pg.100-103)
Descartes’ Baby
How Child Development Explains What Makes Us Human
de Paul Bloom