Apresentação

Convite às reflexões sobre educação indígena e infância (pg.7-14)

Falar de infância é fala de desafio social. As várias formas de pensar a infância historicamente nos levam a refletir sobre o papel da escola e da aprendizagem que ela pode possibilitar, mas, ao mesmo tempo, como, na escola, a infância pode ser negada em suas especificidades de desenvolvimento.
A infância, como uma das fases mais significativas para o desenvolvimento da pessoa, é objeto de investigação recente nas sociedades indígenas. No entanto, esses estudos nos levam a refletir para além desses contextos particulares, pois evidenciam a complexa relação entre as práticas do cotidiano e do cotidiano imaginado com as quais a criança dialoga permanentemente para compreender-se como parte do mundo no qual foi recebida e inserida. Um mundo pensado e organizado antes do seu nascimento, mas no qual ela intervém, recriando-o e ressignificando-o, ao imitar os outros, ao assumir papéis a ela destinados, reordenando-os a partir de sua sensibilidade aguçada pelo imaginário para o novo, para a descoberta do mundo e de si mesma.
Essa sua forma de sentir e ver o mundo, ainda não ordenado pela rotina das práticas cotidianas, assume um papel de destaque em algumas sociedades indígenas. Uma maneira de ser que possibilita experimentar o novo como algo conhecido, e o conhecido como algo novo, dando vazão a possibilidades de leitura, de comunicação e de representação do vivido e mediando as formas do mundo criadas pelos adultos.

(…)

Num tempo em que o grande desafio da educação é atender as diversas formas de ser criança no contexto da escola, este volume nos ilustra as possibilidades e limites dessa conservadora instituição para que a criança possa ser considerada a partir da sua forma de ser, lúdica, interativa, exploratória do mundo do qual participa da construção e, por ainda não o compreender da mesma forma que os adultos, livre para redescobri-lo e ressignificá-lo para esses mesmo adultos.
A sensibilidade da criança, cuja forma de perceber o mundo é diferente da de outras fases da vida, tem na liberdade m dos principais ingredientes para aprender. Suas aprendizagens devem por isso mesmo ser significativas para ela, ter sentido próprio, mesmo que esse sentido seja do mundo imaginário, pois, nesse processo de aprender e apreender o mundo o mundo que descobre com suas experiências, ela amplia suas formas de recriar o mundo e aprender, apreendendo-o de forma cada vez mais enriquecida e complexa.

Seres hipersociais: a centralidade das crianças na mitologia, nos rituais e na vida social dos povos sul-ameríndios

Um senhor de meia-idade, por seu lado, explicou que “os antigos matavam as crianças não porque não gostassem delas”, ao contrário: “Os filhos que criavam eram tratados com todo o luxo. Não era qualquer coisa que comiam, qualquer pedaço de carne, qualquer mel”. Ainda hoje se percebe um grande fascínio pelas crianças, tanto as suas como as dos outros. Alguns homens, sobretudo os mais velhos, empenham-se em agradar as crianças que circulam pela aldeia, dedicando-lhes atenções especiais, ensinando-lhes o idioma, contando histórias, falando sobre a importância de ter um nome Kadiwéu ou sobre o orgulho de pertencer ao grupo.
Intermináveis disputas, às vezes redundando em conflitos abertos ou velados, eram empreendidas tendo crianças como foco central. Um preceito muito conhecido de todos refere-se à importância de n-ao deixar que outros, de fora da família, cuidem dos filhos de forma regular, visto que isso acarretaria, com o tempo, dar a outrem o direito sobre eles.
É comum homens e mulheres interromperem momentaneamente suas atividades para ouvir as histórias, comentários ou reclamações de uma criança e responder às perguntas mesmo daquelas que mal sabem falar. Os adultos olham nos olhos das crianças, durante a conversa, e respondem com paciência suas perguntas. Às vezes fazem brincadeiras ou provocações em torno das observações e opiniões emitidas pelas crianças, dirigindo-lhes sorrisos e caretas, ou mesmo cutucando-as, dando leves palmadinhas e pegando-as ao colo. (pg.27)

(to be continued…)

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