Quando nascemos, podemos não ter uma ideia concreta que “esta é a minha mãe”, mas temos uma ligação espontânea com base nas nossas necessidades biológicas. Por parte da mãe, também há um impulso tremendo de cuidar das necessidades físicas da criança, de a confrontar e alimentar. Nada disto decorre de valores abstratos, mas sim naturalmente da biologia.
Na minha própria e limitada experiência, a fonte de toda a felicidade é o amor e a compaixão, a noção de bondade e da simpatia para com o outro. Se pudermos ser amistosos e confiantes em relação aos outros, ficaremos mais calmos e descontraídos. Perdemos a noção do medo e da desconfiança que, não raro, temos para com o outro, quer por ser desconhecido, quer por nos parecer ameaçador ou concorrente de algum modo. Quando estamos calmos e descontraídos, podemos aproveitar devidamente a nossa capacidade mental para refletir com clareza de modo que, a estudar ou a trabalhar, conseguimos melhores resultados.
Todos reagimos positivamente à bondade. É evidente para quem for pai ou mãe. Uma das fontes para o vínculo forte entre filhos e pais é a bondade natural entre eles. Do momento da concessão no ventre de nossa mãe, até sabermos tomar conta de nós próprios, recebemos grande bondade de muitas pessoas diferentes, sem a qual não poderíamos sobreviver. Se refletirmos nisto e em como todos somos seres humanos, não importa se somos ricos ou pobres, instruídos ou analfabetos, não importa a nossa nação, credo, cultura, que poderemos inspirar-nos a retribuir a bondade que recebemos com a nossa bondade para com o outro. (7 de julho de 2010) Dalai Lama (Prefácio)
“O objectivo deste livro consiste em trazer à luz maneiras de identificar e capitalizar as lições emocionais e espirituais inerentes ao processo da parentalidade, no intuito de as usarmos para nosso próprio desenvolvimento, o que, por seu turno, resultará numa parentalidade mais efetiva. Enquanto parte desta abordagem, pedem-nos abertura à possibilidade de que as nossas imperfeições possam, na verdade, ser os nossos mais valiosos instrumentos de mudança. ” (pág.13)
“Quero propor que aquilo que entendemos como “ego” não seja o nosso eu genuíno em absoluto. Entendo o ego mais como a imagem que temos de nós próprios – uma imagem que pode distar bastante do ser que somos essencialmente. Todos crescemos com essa imagem de nós próprios. É uma auto imagem que se começa a formar ainda em pequenos, grandemente baseada nas interacções com os outros.
O ego, conforme empregado aqui, é uma noção de si artificial. É uma ideia que temos de nós próprios geralmente baseada na opinião dos outros. É a pessoa que temos vindo a crer que somos e que pensamos ser. Esta auto imagem sobrepõe-se a quem somos verdadeiramente na nossa essência. Assim que a auto imagem ee forma na infância, tendemos a agarrar-nos a ela como bóia de salvação.
Em simultâneo, desenvolvemos padrões rígidos para quem nos rodeia e também para a própria vida. Sentimos necessidade de exercer controlo sobre a vida fazendo juízos de valor relativamente às situações e mostrando censura. A ilusão da superioridade dá-nos a sensação de que mandamos nas nossas emoções e, de algum modo, nos caprichos da vida.
Demonstrar poder sobre os outros mediante controlo, crítica, repreensão, culpabilização, sentença ou exibindo “conhecimento” superior é indicador não de uma alma superior, mas sim de uma alma empobrecida. Quando uma criança nunca chega a ver os pais num
estado de fraqueza ou puerilidade, e ainda menos como seres humanos atrapalhados, como é que essa criança se vai arriscar a revelar as próprias fraquezas?
Crescendo assim atrofiados, impedido-nos de explorar, de correr riscos, de fazer erros.
Receamos a censura muda dos pais. Como “sabemos, pronto” que eles vão censurar, nunca embarcamos na verdadeira aventura da vida, antes pelo contrário, jogamos pelo seguro, dentro da caixinha. Claro que, como tem “o controlo”, na escola os professores
acham-nos anjinhos, num rótulo que nos custa a autenticidade.
Com esta marca egocêntrica, a nossa tendência é encarar o poder e o controlo como meio de segurança. Como engolimos a ideia que a vida se divide naqueles que têm poder, regra geral por via da sua idade ou conhecimento, e naqueles que não o têm, dizemos a nós mesmos: “Tenho de estar sempre ´composto´ e a controlar as emoções.
Tenho de ser sempre lógico, pragmático e de ´estar por dentro´.” As crianças que crescem com esta mundivisão fazem-e adultos incapazes de aceder ao seu poder interior. Enquanto pais, o mais provável será imporem a sua necessidade de controlo àqueles que forem desfavorecidos, como, por exemplo, na parentalidade dos filhos ou na escola se forem professores. Fazem-se adultos incapazes de tolerar qualquer desrespeito pela sua posição, usam o seu papel para fomentar a inibição nos outros.”
(…)
“Com a transmissão geracional do padrão egocêntrico da necessidade de controlo, os filhos desses pais crescem tentando ser perfeitos em tudo, a ponto de ficarem obcecados com pormenores. Incapazes de exprimirem emoções, tendem a guardá-las no corpo, a ficarem rígidos. Com esta rigidez aguda, que se manifesta intelectualmente numa tacanhez que afecta praticamente tudo, estas crianças costumam ser menosprezadas pelos seus pares. Porque, sem se aperceberem, projetam superioridade ao comportamento corriqueiro dos pares, os quais consideram “imaturos”. Essas crianças raramente se descontraem, e muito menos se divertem. Não as encontramos a comer melancia com a cara metida na fruta. Estas crianças usam guardanapo, garfo e colher.
Ironicamente, crescer com uma mundivisão tão limitada pode redundar em pais que dão aos filhos rédea solta precisamente porque não os deixaram fazer o mesmo.
Acostumados a serem controlados, estes pais deixam que os filhos os controlem a eles, duplicando o controlo em que viveram quando eram novos também.
Em contrapartida, se os pais conseguirem tolerar as próprias emoções perante imprevistos, os filhos absorvem essas emoções que passam a formar o seu repertório emocional. São pessoas que reagem como rastilhos de pólvora, aparentemente na ilusão de que, se reagirem com intensidade, a vida há de vergar-se à sua vontade.
Quando uma pessoa com esta marca de egocentrismo sofre um revés nalgum aspecto da vida e fica exasperada, a exasperação é uma tentativa de disfarçar a insegurança.
Pouco habituada a ficar com a sensação penosa de impotência numa situação, o ego converte-lhe a insegurança em indignação e raiva. A raiva é um estimulante poderoso, seduz-nos a ponto de acreditarmos que somos fortes e que temos o controlo.
Paradoxalmente, quando estamos tomados pela raiva, temos tudo menos controlo. Somos prisioneiros do ego.” (pg. 67-70)
Claro que não são os filhos que nos “fazem” sentir desta forma. Eles despertam meramente as nossas questões emocionais por resolver na nossa infância. Não obstante,
e como os filhos não são o problema, mas a nossa inconsciência é, poderá a
transformação sobrevir.
Como é que nos tronámos tão reativos? Não basta herdarmos certos guiões e papéis egocêntricos da nossa família de origem, também herdamos uma assinatura emociona.
Subjacente a cada papel e guião está uma marca emocional única. Isto porque, em pequenos, estamos em estado de ser, e não de ego, ou seja, as defesas não estão formadas e somos suscetíveis à energia emocional que nos rodeia. Interagimos energeticamente com o estado emocional dos nossos pais, absorvemos-lhes a marca emocional, até que esta energia passa a ser o nosso carimbo emocional. Se não conseguirmos, a dado momento da nossa vida, tomar consciência da energia emocional que absorvemos dos nossos pais, iremos transferir inevitavelmente essa marca aos nossos filhos.
Como não fomos ensinados, pelos nossos pais ou pela sociedade, a ter acesso à nossa quietude interior e a encontrar as raízes do sofrimento e do prazer dentro de nós, somos reativos às circunstâncias exteriores. Como não aprendemos a observar simplesmente as nossas emoções, a honrá-las, a sentarmos-nos com elas, a crescermos a partir delas, a nossa reação aos estímulos emocionais fica cada vez mais emocionalmente tóxica, no que é a raiz das nossas tempestades dramáticas.
Quando fomos criados para reprimir as emoções mais tenebrosas, elas formam uma sombra da qual ficamos isolado. Quando as emoções se isolam da nossa consciência, ficam latentes, prontas a serem ativadas num instante, e por isso é que muitos de nós explodem sem explicação. Sempre que estas emoções são provocadas pela sombra de
outro, damos connosco aborrecidos com a pessoa que evocou tais emoções em nós.
Mais uma vez reitero que ninguém poderia evocar tais emoções em nós se elas não fizessem já parte da nossa sombra. Sem nos apercebermos disto, procuramos minorar o desconforto por ter de confrontar a nossa sombra projetando estas emoções em alguém.
Esse alguém e o vilão da situação. Temos tanto medo de encarar emoções reprimidas que, sempre que as reconhecemos noutra pessoa, sentimos ódio, o que leva ao desafio,
à vitimização e, nalguns casos, ao assassínio do indivíduo.
(…)
Dado que não há outra viagem que possam evocar mais reatividade emocional em nós do que a parentalidade, ser pai ou mãe convida-nos a tratarmos as reações que os
nossos filhos provocam em nós como oportunidades de crescimento espiritual. Ao trazer a nossa sombra emocional para a ribalta como nuca antes, a parentalidade dá-nos uma
oportunidade maravilhosa de domar a nossa reatividade. Com efeito, esta viagem tem o potencial de ser uma experiência deveras regenerativa para pais e filhos, em que cada momento é um encontro de espíritos, e tanto pais como filhos apreciam que cada qual
dance num caminho espiritual único, de mãos dadas mas sozinhos. Partindo desta perceção, reagimos uns aos outros criativamente em vez de reagirmos destrutivamente.” (pg 77-79)