“Embora eu tenha setenta e cinco anos, ainda me recordo do amor espontâneo e do afeto altruísta de minha mãe. Ao pensar nisso hoje, ainda tenho uma sensação de calma e paz interior. Neste mundo moderno, um dos desafios que enfrentamos está em preservar o apreço por esse tipo de generosidade altruísta ao longo das nossas vidas. Ao crescer, a nossa inteligência equivocada tende para a miopia, dá azo a medo, à agressão, ao ciúme, à ira e frustração, o que diminui o nosso potencial.
Quando nascemos, podemos não ter uma ideia concreta que “esta é a minha mãe”, mas temos uma ligação espontânea com base nas nossas necessidades biológicas. Por parte da mãe, também há um impulso tremendo de cuidar das necessidades físicas da criança, de a confrontar e alimentar. Nada disto decorre de valores abstratos, mas sim naturalmente da biologia.
Na minha própria e limitada experiência, a fonte de toda a felicidade é o amor e a compaixão, a noção de bondade e da simpatia para com o outro. Se pudermos ser amistosos e confiantes em relação aos outros, ficaremos mais calmos e descontraídos. Perdemos a noção do medo e da desconfiança que, não raro, temos para com o outro, quer por ser desconhecido, quer por nos parecer ameaçador ou concorrente de algum modo. Quando estamos calmos e descontraídos, podemos aproveitar devidamente a nossa capacidade mental para refletir com clareza de modo que, a estudar ou a trabalhar, conseguimos melhores resultados.
Todos reagimos positivamente à bondade. É evidente para quem for pai ou mãe. Uma das fontes para o vínculo forte entre filhos e pais é a bondade natural entre eles. Do momento da concessão no ventre de nossa mãe, até sabermos tomar conta de nós próprios, recebemos grande bondade de muitas pessoas diferentes, sem a qual não poderíamos sobreviver. Se refletirmos nisto e em como todos somos seres humanos, não importa se somos ricos ou pobres, instruídos ou analfabetos, não importa a nossa nação, credo, cultura, que poderemos inspirar-nos a retribuir a bondade que recebemos com a nossa bondade para com o outro. (7 de julho de 2010) Dalai Lama (Prefácio)

“O objectivo deste livro consiste em trazer à luz maneiras de identificar e capitalizar as lições emocionais e espirituais inerentes ao processo da parentalidade, no intuito de as usarmos para nosso próprio desenvolvimento, o que, por seu turno, resultará numa parentalidade mais efetiva. Enquanto parte desta abordagem, pedem-nos abertura à possibilidade de que as nossas imperfeições possam, na verdade, ser os nossos mais valiosos instrumentos de mudança. ” (pág.13)

“Quero propor que aquilo que entendemos como “ego” não seja o nosso eu genuíno em absoluto.  Entendo o ego mais como a imagem que temos de nós próprios – uma imagem que pode distar bastante do ser que somos essencialmente.  Todos crescemos com essa imagem de nós próprios.  É uma auto imagem que se começa a formar ainda em pequenos, grandemente baseada nas interacções com os outros.
O ego, conforme empregado aqui, é uma noção de si artificial.  É uma ideia que temos de nós próprios geralmente baseada na opinião dos outros. É a pessoa que temos vindo a crer que somos e que pensamos ser. Esta auto imagem sobrepõe-se a quem somos verdadeiramente na nossa essência.  Assim que a auto imagem ee forma na infância, tendemos a agarrar-nos a ela como bóia de salvação.

Embora esta ideia de quem somos seja tacanha e limitada, o nosso eu – o ser fundamental, ou a essência – é ilimitado.  Existe em completa liberdade, não tem expectativas de outrem, não tem medo, não sente culpa.  Porquanto viver em tal estado possa soar estranhamente desprendido, este estado dá-nos de facto o poder da sintonia com os outros de modo verdadeiramente significativo, porque se trata de um estado autêntico. Assim que nos desprendemos dessas expectativas de como a outra pessoa “se deve” comportar, e a encontramos como ela realmente é, a aceitação que inevitavelmente lhe demonstramos leva naturalmente à sintonia.  Isto porque autenticidade identifica-se automaticamente com autenticidade. ” (pag.21)
“Aceitar os filhos por aquilo que são traz ainda outra componente: aceitar o tipo de pais que temos de ser para determinado filho.
Quando aceitei que a minha filha era muito mais esperta do que eu inicialmente pensara, pude mudar a minha abordagem para com ela. Era altura de a tratar como a menina ladina que ela era, em vez da inocente que eu esperava que ela fosse. Assim, em vez de estar sempre dois passos atrás dela, no que me ressemtia da capacodade de ela me deixar manietada, aprendi a pensar dois passos à frente dela. Ela sempre foi capaz de me levar à certa, e começar a pensar dois passos à frente dele, porque aceitei finalmente o quanto ela era esperta, permitiu-me evitar que esta esperteza se manifestasse como manipulação. Estou muitissimo grata por ter abandonado a vontade de ser mãe de uma fantasia e de me ter feito na mãe que a minha filha precisa que eu seja.
A nossa capacidade de aceitar os filhos está directamente ligada à capacidade de nos aceitarmos a nós próprios – como somos no presente, e com o potencial do que viermos a ser. Afinal, de que serve a esperança de criar filhos livres-pensadores e espíritos livres se não formos nós mesmos essas coisas? Como criaremos filhos independentes e autónomos se não formos nós também independentes e autónomos? Como criaremos outro ser humano, outro espírito, se o nosso próprio ser estiver grandemente menosprezado, o nosso espírito sistematicamente reprimido?
Poderá ser útil partilhar algumas das áreas em que eu vou aprendendo a aceitar-me a mim mesma:
– Aceito que sou um ser humano antes de ser mãe.
– Aceito que tenho limitações e muitos defeitos, e não faz mal.
– Aceito que nem sempre sei a maneira certa.
– Aceito que costumo ter vergonha de admitir falhas.
– Aceito que costumo perder o foco muito pior do que a minha filha alguma vez perde.
– Aceito que sei ser egoísta e irrefletida ao lidar com a minha filha.
– Aceito que por vezes tropeço e me atrapalho como mãe.
– Aceito que nem sempre sei como reagir à minha filha.
– Aceito que por vezes digo e faço a coisa errada com a minha filha.
– Aceito que por vezes estou tão cansada que perco a sanidade.
– Aceito que por vezes estou demasiado preocupada e não presente para a minha filha.
– Aceito que estou a esforçar-me, e que isso basta.
– Aceito as minhas imperfeições e a minha vida imperfeita.
– Aceito a minha vontade de poder e controlo.
– Aceito o meu ego.
– Aceito os anseios de consciência (mesmo fazendo autossabotagem quando estou quase a entrar nesse estado).
Quando não somos capazes de aceitar os nossos filhos, é porque eles abrem feridas antigas em nós, porque ameaçam alguma prisão ao ego a que ainda estamos agarrados. Se não abordarmos porque é que não conseguimos aceitar os filhos precisamente por aquilo que eles são, iremos eternamente querer moldar, controlar e dominá-los – ou deixaremos que sejam eles a dominar-nos.
É essencial apercebermo-nos de que qualquer barreira que sintamos, no que toca à aceitação plena dos nossos filhos, tem origem em condicionamentos passados. Pais que não sejam capazes de aceitar os seus próprios seres em toda a sua glória nunca serão capazes de aceitar os filhos. A aceitação dos nossos filhos anda de mão dada com a aceitação de nós próprios. Só honrando-nos a nós próprios conseguiremos honrar os nossos filhos.” (pag. 50-52)
 “Quando somos criados por pais que valorizam o controlo emocional em detrimento da expressão emocional, aprendemos cedo como supervisionar minuciosamente as nossas reacções emocionais, e como descartar aquelas que suscitam censura. Como acreditamos que um desabafo de expressão emocional é sinal de fraqueza, reprimir as emoções passa a ser uma tática automática.
Em simultâneo, desenvolvemos padrões rígidos para quem nos rodeia e também para a própria vida. Sentimos necessidade de exercer controlo sobre a vida fazendo juízos de valor relativamente às situações e mostrando censura. A ilusão da superioridade dá-nos a sensação de que mandamos nas nossas emoções e, de algum modo, nos caprichos da vida.
Demonstrar poder sobre os outros mediante controlo, crítica, repreensão, culpabilização, sentença ou exibindo “conhecimento” superior é indicador não de uma alma superior, mas sim de uma alma empobrecida. Quando uma criança nunca chega a ver os pais num
estado de fraqueza ou puerilidade, e ainda menos como seres humanos atrapalhados, como é que essa criança se vai arriscar a revelar as próprias fraquezas?
Crescendo assim atrofiados, impedido-nos de explorar, de correr riscos, de fazer erros.
Receamos a censura muda dos pais. Como “sabemos, pronto” que eles vão censurar, nunca embarcamos na verdadeira aventura da vida, antes pelo contrário, jogamos pelo seguro, dentro da caixinha. Claro que, como tem “o controlo”, na escola os professores
acham-nos anjinhos, num rótulo que nos custa a autenticidade.
Com esta marca egocêntrica, a nossa tendência é encarar o poder e o controlo como meio de segurança. Como engolimos a ideia que a vida se divide naqueles que têm poder, regra geral por via da sua idade ou conhecimento, e naqueles que não o têm, dizemos a nós mesmos: “Tenho de estar sempre ´composto´ e a controlar as emoções.
Tenho de ser sempre lógico, pragmático e de ´estar por dentro´.” As crianças que crescem com esta mundivisão fazem-e adultos incapazes de aceder ao seu poder interior. Enquanto pais, o mais provável será imporem a sua necessidade de controlo àqueles que forem desfavorecidos, como, por exemplo, na parentalidade dos filhos ou na escola se forem professores. Fazem-se adultos incapazes de tolerar qualquer desrespeito pela sua posição, usam o seu papel para fomentar a inibição nos outros.”
(…)
“Com a transmissão geracional do padrão egocêntrico da necessidade de controlo, os filhos desses pais crescem tentando ser perfeitos em tudo, a ponto de ficarem obcecados com pormenores. Incapazes de exprimirem emoções, tendem a guardá-las no corpo, a ficarem rígidos. Com esta rigidez aguda, que se manifesta intelectualmente numa tacanhez que afecta praticamente tudo, estas crianças costumam ser menosprezadas pelos seus pares. Porque, sem se aperceberem, projetam superioridade ao comportamento corriqueiro dos pares, os quais consideram “imaturos”. Essas crianças raramente se descontraem, e muito menos se divertem. Não as encontramos a comer melancia com a cara metida na fruta. Estas crianças usam guardanapo, garfo e colher.
Ironicamente, crescer com uma mundivisão tão limitada pode redundar em pais que dão aos filhos rédea solta precisamente porque não os deixaram fazer o mesmo.
Acostumados a serem controlados, estes pais deixam que os filhos os controlem a eles, duplicando o controlo em que viveram quando eram novos também.
Em contrapartida, se os pais conseguirem tolerar as próprias emoções perante imprevistos, os filhos absorvem essas emoções que passam a formar o seu repertório emocional. São pessoas que reagem como rastilhos de pólvora, aparentemente na ilusão de que, se reagirem com intensidade, a vida há de vergar-se à sua vontade.
Quando uma pessoa com esta marca de egocentrismo sofre um revés nalgum aspecto da vida e fica exasperada, a exasperação é uma tentativa de disfarçar a insegurança.
Pouco habituada a ficar com a sensação penosa de impotência numa situação, o ego converte-lhe a insegurança em indignação e raiva. A raiva é um estimulante poderoso, seduz-nos a ponto de acreditarmos que somos fortes e que temos o controlo.
Paradoxalmente, quando estamos tomados pela raiva, temos tudo menos controlo. Somos prisioneiros do ego.” (pg. 67-70)
  
“Por meio dos nossos filhos, conseguimos lugares na orquestra para ver a complexa dramaturgia da nossa imaturidade, pois eles evocam emoções possantes que nos podem fazer sentir que não temos controlo nenhum – com toda a frustração, insegurança e angústia que acompanha esta sensação.
Claro que não são os filhos que nos “fazem” sentir desta forma. Eles despertam meramente as nossas questões emocionais por resolver na nossa infância. Não obstante,
e como os filhos não são o problema, mas a nossa inconsciência é, poderá a
transformação sobrevir.
Como é que nos tronámos tão reativos? Não basta herdarmos certos guiões e papéis egocêntricos da nossa família de origem, também herdamos uma assinatura emociona.
Subjacente a cada papel e guião está uma marca emocional única. Isto porque, em pequenos, estamos em estado de ser, e não de ego, ou seja, as defesas não estão formadas e somos suscetíveis à energia emocional que nos rodeia. Interagimos energeticamente com o estado emocional dos nossos pais, absorvemos-lhes a marca emocional, até que esta energia passa a ser o nosso carimbo emocional. Se não conseguirmos, a dado momento da nossa vida, tomar consciência da energia emocional que absorvemos dos nossos pais, iremos transferir inevitavelmente essa marca aos nossos filhos.
Como não fomos ensinados, pelos nossos pais ou pela sociedade, a ter acesso à nossa quietude interior e a encontrar as raízes do sofrimento e do prazer dentro de nós, somos reativos às circunstâncias exteriores. Como não aprendemos a observar simplesmente as nossas emoções, a honrá-las, a sentarmos-nos com elas, a crescermos a partir delas, a nossa reação aos estímulos emocionais fica cada vez mais emocionalmente tóxica, no que é a raiz das nossas tempestades dramáticas.
Quando fomos criados para reprimir as emoções mais tenebrosas, elas formam uma sombra da qual ficamos isolado. Quando as emoções se isolam da nossa consciência, ficam latentes, prontas a serem ativadas num instante, e por isso é que muitos de nós explodem sem explicação. Sempre que estas emoções são provocadas pela sombra de
outro, damos connosco aborrecidos com a pessoa que evocou tais emoções em nós.
Mais uma vez reitero que ninguém poderia evocar tais emoções em nós se elas não fizessem já parte da nossa sombra. Sem nos apercebermos disto, procuramos minorar o desconforto por ter de confrontar a nossa sombra projetando estas emoções em alguém.
Esse alguém e o vilão da situação. Temos tanto medo de encarar emoções reprimidas que, sempre que as reconhecemos noutra pessoa, sentimos ódio, o que leva ao desafio,
à vitimização e, nalguns casos, ao assassínio do indivíduo.
(…)
Dado que não há outra viagem que possam evocar mais reatividade emocional em nós do que a parentalidade, ser pai ou mãe convida-nos a tratarmos as reações que os
nossos filhos provocam em nós como oportunidades de crescimento espiritual. Ao trazer a nossa sombra emocional para a ribalta como nuca antes, a parentalidade dá-nos uma
oportunidade maravilhosa de domar a nossa reatividade. Com efeito, esta viagem tem o potencial de ser uma experiência deveras regenerativa para pais e filhos, em que cada momento é um encontro de espíritos, e tanto pais como filhos apreciam que cada qual
dance num caminho espiritual único, de mãos dadas mas sozinhos. Partindo desta perceção, reagimos uns aos outros criativamente em vez de reagirmos destrutivamente.” (pg 77-79)
to be continued….

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